ERRÁTICO, ERRANTE | 2012

Galeria Inox, Rio de Janeiro, Brasil

Curadoria: Marcelo Campos

Descrição das obras

1 –Brincar de novo | 2011

Ao enveredar pelos caminhos da infância, desgastei, com o auxílio de lixas d’água, pequenos cubos de giz de sinuca, recriando uma coleção perdida de bolas de gude.

2 – O tempo não é uma coisa, é uma idéia. Ele morrerá na mente | 2009 (em processo)

Sob a ameaçadora ideia da morte – natural ou provocada –, iniciei esta série de círculos concêntricos, em um movimento característico do autômato desprovido de espontaneidade e caminhante sem destino.

3 – Esperando passarinho | 2009

À procura de relatos sobre a elaboração de objetos plumários, deparei-me com uma cena que nos oferece Darcy Ribeiro, nos seus Diários índios: ele sozinho, no centro de uma aldeia, enquanto todos os demais haviam se embrenhado na floresta à cata de penas e de passarinhos. Criei, assim, com base nessa imagem, as visões da floresta que o cercava.

Fotografia: Claudia Tavares (detalhe) e Wilton Montenegro

4 – Uma infinita combinação de esferas | 2012

Exercitando mecanismos da invisibilidade, realizei, sobre acúmulos de folhas de papel vegetal, esse conjunto de esferas, imagem geométrica recorrente em minha obra, e que tem se apresentado tanto em cadernos e finos papéis, quanto em configurações tridimensionais.

    5 – Alegria de artífice | 2012

    Nestes bordados reuni afetos e preciosidades: o linho irlandês que herdei do meu pai; as linhas de seda que ganhei da proprietária de um armarinho (já que adivinhou um potencial artístico); e por fim, o nozinho francês, ponto que aprendi com bordadeiras de uma cooperativa carioca.

    6 – Toda felicidade é uma ilusão | 2012

    Nesta obra reúno passamanes que atravessaram a vida de mulheres de quatro gerações de uma mesma família, expondo ornamentos e texturas de sianinhas, rendas e bordados.

    7 – Uma vontade para a qual não existe nenhum nome foi quem os criou | 2012

    Pelo acúmulo de cores e matizes, que foram sendo absorvidas pelo papel mata-borrão, pude criar diferentes formas e extensões, como as que apresentam pedras e madeiras milenares.

    • papel mata-borrão, nanquim de escrita em tons de vermelho, azul e violeta, agulha Paillard 
    • 110 x 160 cm (os recortes de papel medem entre 10 e 50 mm)
    • acesse aqui a página da obra

    Fotografia: Wilton Montenegro

    8 – Fundo da lata | 2012

    Enquanto esperava iniciar uma sessão de trabalho, distraía-me brincando com o que estava no fundo de uma lata, improvisadamente utilizada para guardar agulhas e alfinetes, entre outros materiais de costura. O pequeno espaço, imantado, possibilitava que eu reconfigurasse a cena, abrindo novas alternativas de ordenação e som.

    • vídeo com 3’18”, projeção em loop, edição de 5 + 2 PA
    • concepção e filmagem: Renato Bezerra de Mello
    • edição: Daniel Bardusco
    • acesse aqui a página da obra

    Still

    TEXTO

    ERRÁTICO, ERRANTE

    Marcelo Campos

    Abril, 2012

     

    A arte contemporânea dissemina heranças: materiais, ordenações, capacidades de tratar conceitos, categorias, narrativas. Nos trabalhos recentes e inéditos de Renato Bezerra de Mello para a exposição na Galeria Inox, temos essa ampliação de meios e materiais bastante evidenciada. A exposição intitula-se “Errático, errante” e trata da invenção de ofícios no entorno de desenhos, bordados, vídeo e instalações. Renato permanece vinculado aos subterfúgios da memória e do apagamento. Para esse projeto, no entanto, o artista se direciona mais aos modos de fazer, às possibilidades do brincar e, assim, de habitar as fissuras do tempo, os intervalos, os momentos quando não cremos em nada, quando perdemos os sobressaltos. Na exposição, vemos pequenas esferas coloridas que se assemelham a bolas de gude. Essa imagem geométrica se apresenta tanto em configurações tridimensionais sobre o chão da galeria, quanto em desenhos sobre cadernos e papéis finos. O que faz o artista assumir tal figuração é, simplesmente, a possibilidade de repeti-la, não mais como padrão, mas como acontecimento desestruturante, errático, autômato. Tanto que sua maior atração é reconhecer e modelar tais imagens para eclipsá-las na pregnância da informação, exercitando mecanismos de invisibilidade.

    São errantes os modos como Renato Bezerra de Mello lida com as imagens, aceitando o nomadismo de posições aleatórias, estimulando a opacidade de visões na sobreposição de papéis que por muito pouco mudam de lugar. Essas características permeiam a atuação do artista diante dos materiais e encenam utopias erráticas, fingindo repetir o idêntico. Em vídeo, enquanto se espera, o artista observa o fundo de um recipiente para guardar agulhas e alfinetes, e brinca com a imantação de outro material, reconfigurando a cena, abrindo alternativas de ordenação, barulhos. Ao mesmo tempo, o artista se estimula por revelar as texturas de sianinhas, os brilhos e as cintilâncias de alfinetes: belezas fugidias. E vão-se criando vínculos em vez de mundos fixos e habitados.

    Renato desenha contra o desenho, tal qual Rousseau fizera com a escrita. E por isso simplifica sua tarefa aumentando a complexidade de não achar caminhos principais ou secundários. Aliás, todos os caminhos escolhidos são secundários. Nas visões privilegiadas, mergulha-se numa “paixão errante”, termo que Maurice Blanchot usará para falar das estratégias do escritor. Com isso, reitera o filósofo, “depois de ser o caminhante inocente da juventude, ele é o itinerante glorioso que vai de castelo a castelo, sem conseguir se fixar no sucesso, que o expulsa e persegue”. Os itinerários artísticos de Renato lançam-no nessa atitude de caminhante, olhando em gavetas para enxergar o tempo, sequestrando os últimos exemplares de materiais para tratar a obsolescência, elaborando modos de armazenar, guardar, mesmo que a contradição esteja muito antes, habitando a própria fisicalidade dos materiais que estão sujeitos ao desaparecimento.

    A exposição “Errático, errante” reafirma, assim, a atitude de Renato Bezerra de Mello sobre as maneiras de desenhar, bordar e, sobretudo, de lidar com o tempo na arte. O mundo circular não é infinito.