Visionários | 2018

2ª Residência Artística Pop Center, Porto Alegre, Brasil

Curadoria: Franck-James Marlot

Descrição das obras

1 – A gente é uma história | 2018

No primeiro contato que tive com os lojistas do Pop Center, percebi a potência das suas histórias, que nos falam de um intenso movimento de pessoas da região sul do Brasil, nos últimos 50 anos, em busca de melhores condições de vida.

Sendo assim, ao longo de 80 metros de esquadrias envidraçadas – que formam um grande aquário que nos projeta sobre a movimentada Avenida Júlio de Castilho – distribui fragmentos dessas histórias de vida, que generosamente me foram confiadas por alguns lojistas que se engajaram no projeto para a minha residência artística.

Fotografia: Claudio Stein 

2 – Visionários, Pop Center | 2018

Desde o primeiro momento da residência artística Pop Center, surgiu a ideia de trabalharmos com a história dos lojistas, em sua grande parte – mas não somente – gaúchos, com percursos de vida impressionantes. A edição da obra Visionários/2002 fez todo o sentido, enriquecida pelo registro fotográfico de pessoas diferentes, e de suas andanças pelos quatro cantos da região sul do Brasil, até chegar em Porto Alegre.

Fotografia: Claudio Stein 

3 – Ouro negro | 2015

Do processo de encobrir velhos documentos com sucessivas camadas de grafite, em bastão, restaram alguns fragmentos, pequenas esculturas criadas no acaso do seu manuseio.

 

4 – Cúmulos azuis | 2016

Observando o que se guardava nas casas, no interior das gavetas, encontrei materiais de costura. Nesta obra, escolhi trabalhar com os botões, reunindo-os, classificando-os: cada conjunto de botões pertenceu a uma mulher, que os guardou durante toda uma vida, imaginando um dia reaproveitá-los, usá-los numa nova roupa.

5 – Não há foto sem alguma coisa ou alguém | 2015

No manuseio das imagens de um acervo fotográfico, reunindo imagens de pessoas que não conheço e das quais gostaria de guardar a intimidade, concentrei o meu olhar nas suas margens, com diferentes recortes, tonalidades e formatos, como se quisesse manter, simplesmente, a sua aura.

  • papel fotográfico
  • série em três formatos: 80 x 140 cm, 85 x 85 cm, 50 x 40 cm, com opção de apresentação in situ, em dimensões variáveis
  • acesse aqui a página da obra

6 -Tanya, ton silence | 2004

Sobre uma veste branca, dessas que se usa no desempenho do trabalho, bordei uma lista de nomes de empregadas domésticas com as quais, em diferentes momentos da vida, partilhei intimidade e afeto. Um trabalho, durante o qual lembrava, por vezes, apenas um nome ou um fato, ou simplesmente uma fisionomia, até que elas voltavam por completo à minha memória.

7 – Coração | 2004

De um antigo livro de mapas, extraí o caminho desses rios, desenhados talvez no século XVII. Bordados sobre uma antiga fronha de algodão, os mapas nos fazem ver o continente sul-americano e a sua semelhança com o órgão oco e musculoso que é o centro da nossa circulação sanguínea.

8 – Lembranças e esquecimentos | 2005

Numa viagem imaginária registrei e dispersei lembranças e relembranças, impressas sobre incontáveis tirinhas de papel cristal, que ocupam todo o espaço. Pouco importa a leitura de cada uma das tantas frases escritas – talvez mil vezes repetida – mas a ideia do quanto em nós existe de memória e de falha.

Fotografia: Fabio Del Re

TEXTO

VISIONÁRIOS

Franck-James Marlot

Pop Center, 2018

 

Sobre uma das duas passarelas que atravessa o Pop Center, uma nuvem de quatrocentos monóculos coloridos, suspensos acima do chão, ocupa o vasto espaço da exposição.

O conjunto intriga  o espectador  e  o convida a se aproximar e a abrir os olhos para escrutinar e observar as imagens através de monóculos dependurados em diferentes níveis.

O espectador imiscui-se no íntimo ao olhar um conjunto de fotos coletadas pelo artista Renato Bezerra de Mello junto a lojistas, os quais participaram da constituição de um banco de imagens de suas vidas tanto profissional  como familiar.

Esse corpus  de imagens rico em afeto funciona como um retrato instantâneo que reativa uma parte sensível de história da cidade de Porto Alegre para alcançar as margens do Rio Jacuí e, às vezes, chegar à fronteira do Brasil.

Se não é possível ver todas as imagens ao mesmo tempo, cabe à memória visual do espectador reunir esses instantes. Essa visão permanece parcial e única uma vez que ninguém pode ver todas as imagens, pois alguns monóculos estão inacessíveis aos olhos por estarem suspensos bem no alto.

É uma instalação que Renato já havia apresentado em 2002 e experimentado em São Paulo, Paris e Recife. Se, desta vez, a peça abarca a memória dos lojistas que participaram do projeto, a anterior misturava memória ficcional à memória do artista ao apresentar retratos advindos somente de sua família. Por sua arquitetura global e sua leitura individual, essa instalação anuncia a teia planetária das redes sociais e o internauta por trás da janela do computador.

No prolongamento da instalação Visionários e sobre as duas passarelas, Renato apresenta uma segunda peça intitulada de A gente é uma História que implementa a fala dos lojistas.

Durante três dias, ele recolheu suas histórias a partir de fatos que os tivessem marcado por expressar a dureza da vida ou por apresentar momentos de felicidade.

Com uma centena de frases, como citações, selecionadas a partir das entrevistas, o artista cobriu os vidros sobranceiros às passarelas que fazem o caminho do Pop Center. Através dos vidros, o fluxo incessante de carros cria um contraste visual com as letras, com as palavras, com as frases que se inscrevem congeladas na transparência do muro de vidro. É a memória coletiva dos lojistas escarificada no vidro e ofertada por estilhaços sutis que sugerem uma vida intensa.

Na rua, as letras invertidas em espelho refletem-se como um eco em direção à cidade, Pop Center é um local de trabalho e de comércio para os porto-alegrenses, mas é, antes de mais nada, um lugar de acolhida e de humanidade. O artista é um atravessador dessas vozes e é quem nos permite esse encontro privilegiado.

Essas duas instalações se prolongam lado a lado, como olhos e boca compondo um rosto, unitário, o rosto dos homens e das mulheres do Pop Center que são a história do Rio Grande do Sul.

A primeira instalação, Visionários, bem como a segunda, A gente é uma História, traz-nos a memória dos lojistas. Pelo dispositivo plástico, essa memória coletiva está fragmentada para melhor evocar a intensidade dessas vidas, que através da escrita e das imagens, continuam presentes e não podem ser apagadas.

Para esta 2a edição da Pop Residência, o artista convidado, Renato Bezerra de Mello, escolheu enriquecer nossa visão sobre o seu trabalho ao nos convidar para um percurso em seis lojas desocupadas do Pop Center e pintadas de um branco de museu para a ocasião.

O artista apresenta obras que evocam o trabalho de escrita e de desenhos, usando papéis carbono e cristal, tecidos, botões, grafite. Ao introduzir relicários de uma obra em outra obra, o artista dá ao processo o sentido de um fio que se desenrolaria de obra em obra, como uma evidência da qual somente o artista possui as chaves.